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  • marianeves15031958

CULTURA PORTUGUESA E EUROPEIA o tempo e as obras

Atualizado: 15 de dez. de 2021

CONTEXTO HISTÓRICO -Impressionismo

Contexto socio-cultural na 2ª metade do século XIX


No decorrer do século XIX os progressos técnicos, científicos e a Revolução Industrial tinham transformado e influenciado a vida do quotidiano na Europa, sobretudo nas populações citadinas. No centro dessa transformação esteve o aparecimento do caminho-de-ferro que tornou acessíveis áreas remotas da província, as quais conheceram uma nova prosperidade e importância. Os pintores impressionistas de Paris viram assim facilitado o acesso a essas localidades que iriam servir de tema às suas obras: as aldeias do Sena e as aldeias das províncias da Provença a sul de França. Por outro lado o aperfeiçoamento da iluminação a gás e a eletricidade tinham permitido prolongar o dia de trabalho, possibilitando manter abertas até tarde as primeiras exposições destes pintores Impressionistas (Paris foi a 1ª cidade iluminada a eletricidade).

Também entre novidades surgidas nesta altura - a invenção da Fotografia - estabeleceu em pouco tempo uma nova arte visual que se tornou a mais popular do século, produzindo uma nova consciência na representação, levando mesmo ao ceticismo relativamente à arte idealizada e académica.

Neste período deu-se também a consolidação da sociedade burguesa, industrial e urbana e a cidade tornou-se o centro económico, político e cultural nos estados europeus, como a França. A Revolução Industrial não só estava a modificar atitudes técnicas e visuais, mas provocou também o aparecimento de uma nova classe abastada e politicamente dominante - a burguesia média, (de onde surgiram os Impressionistas) e que se tornou a grande clientela destes novos pintores.

O período de 1875 a 1914 durante o qual se desenvolveu o Impressionismo, foi também a época denominada “Belle Époque”, que correspondeu a esse tempo de rápida urbanização e de desenvolvimento da vida citadina. Foram os habitantes urbanos que forneceram aos Impressionistas a principal fonte de inspiração temática: as modistas, os elegantes, os profissionais, as lavadeiras, as prostitutas e as pessoas vulgares, que passavam nas ruas de Paris.


Paris é considerada a capital da cultura e da arte.


Por razões de ordem política estratégica, os governos do século XIX tinham imprimido a Paris uma importância que ultrapassava todas as capitais europeias incluindo Viena de tal modo que, para Paris vieram todos os Impressionistas, à exceção de Degas e Sisley, (que aí nasceram), provenientes da província ou de outros países como os Estados Unidos.

Entre 1850 a 70, a aparência da cidade fora totalmente transformada pelas obras do Prefeito Haussman. No labirinto de ruas estreitas romperam-se cerca de 50 km de grandes avenidas (boulevards) orladas de árvores, com largos pavimentos onde foram implantadas esplanadas em frente de cafés e restaurantes - era neste envolvimento que decorria uma grande parte da vida social e cultural da cidade modernizada graças a infraestruturas, sobretudo os novos sistemas de abastecimento de água e de esgotos que acabaram com os tradicionais cheiros desagradáveis. Criaram-se nesta época parques públicos, não só no centro, mas também nos arredores; foram construídos edifícios enormes e espetaculares que conferiam a Paris grandiosidade como, a Ópera de Paris (do arquiteto Garnier), a Câmara Municipal, o Palácio da Indústria, onde se realizaram as Exposições Universais a partir de 1850 (tornando visível o avanço das ciências e da técnica); as Estações de Caminho-de-Ferro que pareciam grandes "catedrais" (pela utilização do ferro e do vidro na sua construção), o grande mercado de géneros alimentícios - Les Halles -, as grandes residências e armazéns...

As ruas de Paris iluminaram-se pela luz elétrica e surgiu uma vida noturna que contagiava os seus habitantes e enchia os locais de diversão - era uma burguesia, detentora do capital que frequentava os cafés, os “cabarets”, os teatros, a ópera, as esplanadas…

Paris tornou-se assim, a capital cultural da Europa sendo visitada por numerosos estrangeiros. a cidade tornou-se propícia aos prazeres dos sentidos através de locais retratados pelos Impressionistas: as Folies-Bèrgeres, o palco e os corredores da Ópera, os pavilhões de dança de Montmartre, os bordéis da "Porte Saint-Denis", a imagem grandiosa das estações de caminho-de-ferro e os próprios boulevards... Sem tudo isto dificilmente poderia ter existido o Impressionismo.


Enquadramento artístico


O espírito científico e a inovação plástica desta época tornaram-se a base das novas tendências estéticas do Impressionismo e do Pós-Impressionismo. O desejo de inovação e mudança por parte de uma minoria de artistas e a oposição ao conservadorismo das Academias lançaram sementes para a arte do século XX.

Paris convertendo-se na capital da cultura e da arte mundial tornou-se o lugar onde os artistas e estudantes acorriam de muitas e diferentes origens, à procura da inovação e do sucesso, apesar de mesmo nesta cidade, existir um mercado artístico muito restrito que assim se manteve por bastante tempo . As reputações faziam-se sobretudo através das exposições anuais promovidas pela Academia Real de Pintura e Escultura em Salões Oficiais - o mais importante acontecimento artístico em França-. Expor nestes Salões era sinal de prestígio, mas os artistas tinham de se cingir às normas estabelecidas pela Academia. O processo de seleção dava origem a constantes reclamações: já desde o Realismo e o Naturalismo que não tinham sido aceites pela Academia e que tinham marcado um período importante no contexto artístico de Paris pelas suas características inovadoras e antiacadémicas; de facto deixaram mesmo uma riquíssima herança representada na pintura de Courbet, Millet, Rousseau e outros.

Em consequência desta situação de desigualdade entre os artistas foi criado em 1863, por Napoleão III, uma exposição de oposição ao Salão Oficial , o designado “Salon des Refusés”, que incluía as obras dos artistas recusados pela Academia.

Além do Salon, o local onde se expunha, e como tal o único meio de o artista se tornar conhecido, havia ainda as grandes Exposições Internacionais realizadas em Paris entre 1855 e 1900. Foram sobretudo através destes eventos que a pintura francesa se tornou conhecida além-fronteiras. Também as novas galerias e museus iam introduzindo modernos pontos de vista, de experiências visuais e novas sensibilidades estéticas. A aquisição de obras de arte foi-se estendendo gradualmente a uma mais larga faixa de população, sobretudo pela divulgação que os comerciantes- "marchands d'art" - progressivamente foram desenvolvendo. Foi o caso da pintura impressionista que contou entre os seus clientes os comerciantes de arte e pessoas anónimas como médicos, comerciantes, funcionários públicos...



Impressão, nascer do sol (do francês: Impression, soleil levant) é a famosa pintura impressionista de Claude Monet, realizada em 1872.


Consolidação do Impressionismo


O impressionismo assumiu desde o princípio uma oposição aos princípios e regras do Romantismo e academismo vigentes, aproximando-se mais da atitude estética do Realismo de Courbet. A nova plástica do Impressionismo foi sendo amadurecida através das tertúlias nos cafés que para os parisienses constituíam parte do ritual da vida quotidiana, no aspeto do relacionamento social. Destacam-se neste caso, os cafés Guerbois e Nouvelle-Athènes por serem os mais frequentados por artistas Impressionistas, por críticos e por intelectuais; as discussões que aí aconteciam despertavam uma tal vivacidade e animação de espírito que deram origem às ideias sustentadoras dos vários percursos artísticos individuais.

A 1ª exposição impressionista foi feita no atelier do fotógrafo Nadar em 1874 pois os Salões Oficiais rejeitavam qualquer tipo de pintura que se afastasse das normas estabelecidas pelas Academias. O nome “Impressionismo” surgiu quando um crítico apelidou em tom irónico, de “impressionante”, a obra do artista Claude Monet “Impressão Sol Nascente”, caracterizada por pinceladas rápidas e por cores misturadas diretamente na tela. Depois desta, os pintores Impressionistas realizaram ainda mais 8 exposições em conjunto ao longo da década de 70 e 80 do século XIX.


Antecedentes artísticos e influências


A pintura impressionista afirmou-se com base em variadas influencias: em primeiro lugar o estilo apresentado na representação da natureza, nas paisagens de Constable e Turner, pintores do Romantismo; a preferência pela paleta clara e as sombras coloridas os impressionistas foram buscar à pintura de Delacroix; a representação atmosférica da pintura lembra a pintura naturalista de “ar livre” e a representação objetiva do real identifica-se com a atitude antiacadémica de Courbet. Outros aspetos podem considerar-se, sobretudo os que dizem respeito aos novos enquadramentos e perspetivas (ponto de vista aéreo) que foram revelados pela descoberta da fotografia. Os artistas libertavam-se deste modo da cópia fiel da Natureza e concentravam-se no estudo dos efeitos lumínicos sobre os objetos. Foi também nesta altura que chegavam a Paris as estampas japonesas que iam prenchendo o gosto pelo exotismo romântico ainda vigente entre a classe burguesa. Estas estampas eram comercializadas nas lojas parisienses e captaram a atenção dos artistas que reconhecerem nelas novas técnicas de representação, uso da cor e da expressão. Tornaram-se mesmo uma referência muito importante para os novos pintores que delas captaram o linearismo, a planificação das formas de cores sem gradação, o decorativismo, a execução menos precisa e pouco detalhada do real.

Foram também muito importantes para os artistas, as descobertas científicas que resultaram dos estudos feitos sobre cor- luz e perceção feitos por homens como Chevreul, Young e outros. Tais revelações foram de tal importância que levaram os artistas a simplesmente recusarem o tratamento da luz-cor feitos nas academias.

Também as descobertas técnicas que levaram à produção industrial de tintas em tubo facilitaram a pintura, porque permitiram aos artistas pintarem livremente sem necessidade de misturar tintas - pela primeira vez aplicavam-nas diretamente na tela.


Os aspetos inovadores e o impacto do Impressionismo


Os pintores impressionistas foram inovadores pelo uso de pinceladas pequenas, nervosas, executadas com grande rapidez (ao ar livre); usavam também cores fortes retiradas diretamente dos tubos que eram aplicadas segundo a lei das complementares* e contrate simultâneo** . O objetivo era obter a fusão dos tons no olho do espectador: a mistura ótica (totalmente pura) substituia assim a mistura na paleta.

Também inovadora na representação, era a dissolução das formas, superfícies e volumes, numa apresentação de contornos pouco nítidos que atenuava o carácter matérico das formas; essa representação foi apresentada em novas temáticas associadas à vida citadina moderna; cenas de vida social e lazeres citadinos. A preferência dos impressionistas pela pintura de paisagens relacionava-se com os estudos sobre a cor-luz e de como se pode percecionar os efeitos luminosos na natureza de acordo com as horas do dia ou com as condições atmosféricas.

O aspeto rude e inacabado, e ao mesmo tempo fluído e aéreo na pintura impressionista, dificultava a aceitação e o reconhecimento destes artistas. Foi sobretudo o papel de divulgação exercido através dos“Salões dos Recusados” (exposições anuais das suas obras) que permitiu a sua gradual aceitação.

Este fenómeno impressionista parisiense teve reflexos noutros pintores estrangeiros, nomeadamente em Itália, Estados Unidos da América e mesmo em Portugal .

Destacam-se como principais representantes dese movimento , os artistas: Edouard Manet – faz a transição do Realismo para o Impressionismo; Claude Monet – A sua obra “Impressão, sol-nascente” deu nome ao movimento impressionista - ; Camille Pissaro; Auguste Renoir, Edgar Degas, Berthe Morisot, Marie Cassat, Alfred Sisley, entre outros.

Este movimento artístico lançou as raízes do Neo-Impressionismo (com Seurat e Signac), e do Pós-Impressionismo (com Toulouse-Lautrec, Cézanne, Van Gogh, Gauguin) através do contacto directo desses com o grupo impressionista no café Guerbois..


*Contraste de complementares – a vista requer que diante de uma dada cor, esta seja compensada com a sua complementar.


**Contraste simultâneo – Diante de uma dada cor a vista gera espontaneamente a cor complementar, quando esta não está presente.



IMPRESSIONISMO NA LITERATURA


Por: Renan Bardine


(…) Aos impressionistas não interessa a fixação “fotográfica” das formas e das imagens. Valorizando a cor e os efeitos tonais, pretendem reproduzir a “perceção visual do instante”, as “impressões” provocadas pelo objeto no sujeito.

O Impressionismo não chegou a configurar, na literatura, uma escola, corrente ou movimento artístico, mas é uma atitude na expressão, perfeitamente identificável em autores como (…) Eça de Queirós e Cesário Verde entre os portugueses.


A denominação “Impressionismo”, já corrente na pintura e na música, passou a ser aplicada à literatura a partir dos irmãos Edmond e Lules de Goncourt para designar a “escrita artística“; uma linguagem vibrátil, com os diálogos e descrições convertidos em “estenografias ardentes” (…)

Do mesmo modo que o quadro impressionista se propõe a captar as mudanças mais subtis da atmosfera e da luz, a linguagem impressionista buscava figurar a variedade dos estados mentais com a maior precisão possível.


Surge assim um idioma literário colorido e nervoso, de sintaxe fragmentária e ritmos evocatórios, fazendo largo uso do imperfeito e da metáfora, adotado por narradores e dramaturgos como Anton Tchecov, Hugo von Hofmannsthal e Eça de Queirós.

(…)

A perceção do tempo e o fluxo da memória, a lem­brança crítica e a compreensão do sentido da experiência passada e a “procura do tempo perdido” são os motivos capitais da ficção impressionista, quase sempre ligada a um agudo senso de perda da qualidade da existência e à denúncia do estilo existencial moderno, marcado pela uniformização das ideias e atitudes e pelo desapareci­mento progressivo das formas genuínas de diálogo e comunicação.

O refinamento da prosa impressionista, as explo­rações psicológicas, o experimentalismo técnico dos nar­radores faz com que as obras impressionistas se revistam de um caráter “hermético” (= difícil), exigindo leitores intelectualmente sofisticados.

Ao contrário da vocação “democrática” do Realismo e Naturalismo, acessível ao leitor comum (Balzac, Dickens, Zola), o Impressionismo cultivou o “aristocrático prazer de desagradar” às massas mentalmente condicionadas, teleguiadas, da sociedade urbano-industrial. Sem concessões ao “gosto popular”, recusando-se a sacrificar a complexidade da visão artística e a soberania da língua literária à mentalidade dominante, (…)



Cesário Verde por Columbano, reproduzido em O Livro de Cesário Verde.




José Joaquim Cesário Verde 18551886) foi um poeta português, sendo considerado um dos pioneiros, precursores da poesia que seria feita em Portugal no século XX.

Vida e Obra

(...)

Filho do lavrador e abastado comerciante e ferrageiro (...) aos 18 anos de idade Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras, mas apenas o frequentou alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto, que ficou seu amigo para o resto da vida. Dividia-se entre a produção de poesias publicadas em jornais, destacando-se o semanário Branco e Negro[1] (1896-1898) e as revistas O Occidente[2] (1878-1915), Renascença[3] (1878-1879) e no periódico O Azeitonense[4] (1919-1922), e as actividades comerciais na Rua dos Fanqueiros herdadas do pai, descendente de comerciantes genoveses de nome Verdi. (...)

Em 1877 começou a apresentar sintomas de tuberculose pulmonar, doença que já tinha levado a sua irmã (...) e posteriormente seu irmão(...). Estas mortes inspiraram contudo um de seus principais poemas, Nós (1884). (...)

No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a cidade e o campo, que são os seus cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural.


O Binómio cidade/campo

A supremacia exercida pela cidade sobre o campo leva o poeta a tratar estes dois espaços em termos dicotómicos. O contacto com o campo na sua infância determina a visão que dele nos dá e a sua preferência. Ao contrário de outros poetas anteriores, o campo não tem um aspecto idílico, paradisíaco, bucólico, susceptível de devaneio poético, mas sim um espaço real, concreto, autêntico, que lhe confere liberdade. O campo é um espaço de vitalidade, alegria, beleza, vida saudável… Na cidade, o ambiente físico, cheio de contrastes, apresenta ruas macadamizadas/esburacadas, casas apalaçadas (habitadas pelos burgueses e pelos ociosos) / quintalórios velhos, edifícios cinzentos e sujos… O ambiente humano é caracterizado pelos calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendedeiras enfezadas, pelas engomadeiras tísicas, pelas burguesinhas… É neste sentido que podemos reconhecer a capacidade de Cesário Verde em trazer para a poesia o real quotidiano do homem citadino.

Ao ler-se o poema "De Tarde", pertencente a "Em Petiz", é visível o tom irónico em relação aos citadinos, mas onde o tom eufórico também sobressai, ao percorrer os lugares campestres ao lado da sua "companheira". A preferência do poeta pelo campo está expressa nos poemas "De Verão" e "Nós" (o mais longo), onde desaparecem a aspereza e a doença ligadas à vida citadina e surge o elogio ao ambiente campesino. A arte de Cesário Verde é, pois, reveladora de uma preocupação social e intervém criticamente. O campo oferece ao poeta uma lição de vida multifacetada (por exemplo, os camponeses são retratados no seu trabalho diário) que ele transmite com objectividade e realismo. Trata-se, pois, de uma visão concreta do campo e não da abstracção da Natureza.

A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, sendo nela que Cesário encontra os seus temas.(...)


A mulher em Cesário Verde

A vendedeira de "Num Bairro Moderno" (1877) representa a mulher do campo, desgraçada, trabalhadora e inocente. ("Rapariga com cesto ao ombro", por Teresa de Saldanha). A Milady de "Deslumbramentos" é um tipo feminino calculista, destrutivo e frívolo, associado com a aristocracia e a sociedade citadina ("Retrato equestre de Ana de Áustria", por Jean de Saint-Igny).

Deambulando pelos dois espaços, depara com dois tipos de mulher, que estão articulados com os locais. A cidade maldita surge associada à mulher fatal, frívola, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem sentimentos. Em contraste com esta mulher predadora, surge um tipo feminino, por exemplo em "A Débil", que é o oposto complementar das esplêndidas aristocráticas, presentes em poemas como "Deslumbramentos" e "Vaidosa". Essa mulher é frágil, terna, ingénua e despretensiosa.

A mulher (desfavorecida) do campo é-nos mostrada numa perspetiva diferente. A vendedora em "Num Bairro Moderno", ou a engomadeira em "Contrariedades" mostram as características da mulher do povo no campo. Sempre feias, pobres e por vezes doentes, ou em esforço físico, as mulheres trabalhadoras são objecto da admiração de Cesário.

"Depois de referir o cenário geral da acção em "Num Bairro Moderno", os olhos do sujeito poético retêm, como uma objectiva, um elemento novo - a vendedeira. A sua caracterização é de uma duplicidade contrastante: ela é pobre, anémica, feia, veste mal e tem de trabalhar para sobreviver, mas aparece envolvida numa força quase épica, de "peito erguido" e "pulsos nas ilhargas", encarnando, pela sua castidade, a força genuína do povo trabalhador, que Cesário tão bem defende."


A poética de Cesário e as escolas literárias

Podemos afirmar a sua aproximação a várias estéticas, embora seja visível a proximidade com Baudelaire, por retratar realidades quotidianas, o que o aproxima dos poetas portugueses do século XX e o fez incompreendido em seu tempo.

Embora Cesário Verde não pudesse ser enquadrado em nenhuma das escolas poéticas dos países de língua portuguesa da época podemos dizer que ele não poderia não estar relacionado às estéticas do seu tempo de alguma forma. Se se tiver em conta o interesse pela captação do real, por exemplo, ao considerarmos o tipo de cena a serem retratadas pelas quais o poeta optou, seus quadros e figuras citadinos, concretos, plásticos e coloridos, é fácil detectar aqui a afinidade ao Realismo. A ligação aos ideais do Naturalismo verifica-se na medida em que o meio surge determinante dos comportamentos. Se considerarmos o facto do poeta figurar plasticamente uma cena, poderia aproximá-lo, inclusive, do Parnasianismo. Porém, sua obra ainda tem um certo sentimentalismo que remete ao Romantismo e as imagens retratadas, muitas vezes de personagens doentes ou pobres, jamais poderiam ser retratadas por um parnasiano.

Aproxima-se dos impressionistas que captam a realidade mas que a retratam já filtrada pelas percepções, o que, definitivamente, o inscreve no quadro dos poetas fundadores da modernidade. Ecos de sua obra podem ser vistos nos poemas de Fernando Pessoa, parecendo Cesário Verde o predecessor do heterónimo Álvaro de Campos de Opiário e sendo citado várias vezes por Alberto Caeiro e Bernardo Soares.


Importância da representação do quotidiano na poesia de Cesário Verde


A observação das situações do quotidiano é o ponto de partida preferencial para os poemas de Cesário Verde. É o mundo real, rotineiro, que é retratado e analisado, servindo de suporte às ideias e sentimentos do poeta.

Os sujeitos poéticos criados por Cesário Verde são atentos ao que se passa. Aquilo que para outro transeunte seria uma banalidade é, na perspectiva do poeta, parte de um quadro do real. Veja-se que antes de se focar numa situação particular, que prenda a atenção, o poeta dá-nos uma visão geral do ambiente: "Dez horas da manhã, os transparentes/Matizam uma casa apalaçada(…)E fere a vista, com brancuras quentes, a larga rua macadamizada" (em "Num bairro moderno"). Mas, apesar de existirem situações particulares, estas poderiam ser integradas no movimento quotidiano de uma rua de uma cidade onde "(…) rota, pequenina azafamada,/Notei de costas uma rapariga" (em "Num bairro moderno"), mas que para o sujeito poético tomam uma nova dimensão. Um processo análogo pode verificar-se em "Cristalizações", onde as primeiras estrofes constituem uma visão panorâmica, para se focar mais à frente nos "calceteiros" ou na "actrizita". É essencialmente destacado o quotidiano urbano, onde o sujeito poético deambula, sendo o poema "O sentimento de um ocidental" aquele em que é mais clara a descrição do dia-a-dia como ponto de partida para a revolta contra a vivência desumana da cidade. Aliás, Cesário Verde está longe de se deixar na passividade da observação casual, e repara naquilo, que tendo-se tornado parte de cada dia, é um factor de animalização e doença. Outras vezes, partindo da realidade, transfigura-a, num impulso salutar, em que tudo parece tomar formas orgânicas e vivas em oposição ao emparedamento das ruas da cidade: "Se eu transformasse os simples vegetais, num ser humano que se mova e exista/Cheio de belas proporções carnais?!".


Linguagem e estilo

Eis algumas das características estilísticas e linguísticas: vocabulário objectivo; imagens extremamente visuais de modo a dar uma dimensão realista do mundo (daí poeta-pintor-calceteiro b ); pormenor descritivo; mistura o físico e o moral; combina sensações; usa sinestesias, metáforas, comparações, hipálage; emprega dois ou mais adjectivos a qualificar o mesmo substantivo; quadras, em versos decassilábicos ou versos alexandrinos; utilização do "enjambement".*


* Enjambement ou encadeamento ou cavalgamento é quando um verso continua no seguinte, sintática, semântica e ritmicamente, este tipo de verso transmite a idéia de continuidade, de envolvimento, de seqüência.

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